Artigo

Uma "nova educação" para poucos?

Publicado: 26/05/2025 10:14

Dizem que o PRA MT veio para salvar a educação pública. Eu confesso: quando ouvi pela primeira vez sobre o tal “Programa de Recomposição da Aprendizagem”, quase acreditei. Afinal, quem seria contra recompor o que foi perdido? Quem não quer que os estudantes superem dificuldades e avancem? O problema é que, ao olhar mais de perto, o que o programa parece recompor, na verdade, são os velhos vícios de uma escola que exclui, segrega e cala.

Comecemos pela tal divisão entre os “bons” alunos e os que “precisam de ajuda”. Não é curioso como, no lugar de incluir todos em um processo coletivo de aprendizagem, a proposta opta por separar? Uns ficam com aulas especiais de “recomposição” — como se fossem peças com defeito na linha de montagem — e outros ficam apenas com Português e Matemática, como se o mundo se resumisse a essas duas áreas. A pergunta é: quem definiu que isso é suficiente? Quem decidiu que Filosofia, História, Geografia, Sociologia, Química, Física e Biologia são dispensáveis? E, mais importante: em qual mundo vivem essas pessoas?

A gente vive em um país que enfrenta desigualdades sociais profundas, desinformação galopante e crises ambientais urgentes. E, nesse contexto, cortam justamente as disciplinas que ensinam a pensar, questionar, entender a sociedade e cuidar do planeta? Parece até proposital.

E nem me venham com a desculpa de que é por “foco pedagógico”. Foco em quê? Em formar jovens que resolvem equações, mas não compreendem as próprias condições de vida? Que fazem redações, mas não sabem de onde vêm os problemas do bairro onde moram? Que decoram fórmulas, mas não conseguem interpretar uma fake news?

Mas talvez a explicação esteja na lógica silenciosa por trás do programa: reduzir, padronizar, controlar. A escola, que deveria ser espaço de liberdade, vira um ambiente quase militarizado, onde o pensamento crítico dá lugar à obediência, e a diversidade de ideias é tratada como desvio. Alguém aí pediu uma escola que treina soldados ao invés de formar cidadãos?

E não para por aí. O PRA MT praticamente ignora a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e ameaça o ensino noturno. Ou seja, aqueles que mais precisam de políticas inclusivas, como trabalhadores, mães solo, jovens que precisaram parar de estudar por um tempo, estão sendo deixados de lado. Afinal, se não cabem no novo modelo idealizado pelos tecnocratas da educação, o que resta a eles? Ficam invisíveis? Ou será que esse programa nunca foi pensado para eles?

Os professores, claro, são outra peça do tabuleiro. Com apenas 20 horas de formação para um projeto dessa magnitude, espera-se que eles mudem toda sua prática, adaptem conteúdos, e ainda deem conta de lidar com as consequências da exclusão que esse programa gera. É como entregar um bote furado para quem precisa atravessar o oceano — e depois culpar o marinheiro quando afunda.

E aí me pergunto: por que ninguém nos ouviu antes de lançar esse programa? Onde estavam os pais, os estudantes, os professores, os conselhos escolares nesse processo? Ou será que, para a gestão, democracia é só um detalhe opcional?

A verdade é que o PRA MT vende uma promessa de progresso, mas entrega um retrocesso bem embrulhado. Tira dos jovens o direito a uma formação completa e joga sobre os ombros dos educadores a responsabilidade por um modelo que já nasce com rachaduras.

É preciso dizer com todas as letras: Esse não é o futuro da educação que queremos. Não é com cortes, separações e silenciamentos que vamos resolver os problemas da escola pública. Precisamos de inclusão, de valorização dos profissionais da educação, de escuta ativa da comunidade escolar, e — acima de tudo — de um projeto pedagógico que acredite na capacidade de todos os estudantes.

Porque se há algo a ser recomposto, é o compromisso com uma escola verdadeiramente pública, democrática e para todos — não só para os “bons”, os “eficientes” ou os que “se encaixam”.

A escola precisa ser espaço de liberdade, não de rótulos. De acolhimento, não de exclusão. E de esperança, não de silêncio.